Uma conversinha sobre a bissexualidade na televisão
- Ricardo Sodré
- 18 de mai. de 2018
- 5 min de leitura
Atualizado: 27 de dez. de 2018

Hoje, 17 de Maio, é o Dia Internacional Contra a Homofobia, Lesbofobia, Bifobia e Transfobia, e é uma data escolhida para conscientizar a população em geral sobre a luta contra a discriminação contra orientação sexual, expressão de gênero, identidade de gênero etc. A data foi escolhida por ter sido em 17 de Maio de 1990 (olha o quão recente é essa data, pouco menos de 30 anos atrás), o termo "homossexualismo" deixou de ser usado e a homossexualidade foi excluída da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS).
E enquanto alguns avanços estão sendo dados a passos muito lentos (e alguns retrocessos, sendo tomados a passos bem mais velozes), a verdade é que os números poderiam ser muito mais positivos quando se trata de representatividade e representação na televisão estadunidense. No relatório de 2016-2017 da GLAAD, foi estimado que apenas 4,8% dos personagens da televisão nos Estados Unidos eram LGBT+, ou seja, dentro desse número já pequeno, estão divididos personagens gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, etc.
E hoje, em especial, eu quero falar dos personagens bissexuais, que desse número que falei ali em cima, são só 30% dos personagens, um total de 64 mulheres e 19 homens. E essa numeração parece alta, mas podem ter certeza, que não é. E escolher falar sobre bissexuais, não é por acaso, já que não só fora, mas como dentro da comunidade LGBT+, é um grupo que encontra dificuldade em ter sua orientação sexual legitimada e respeitada.

E mais do que a quantidade de personagens com essa orientação sexual no ar, também temos que falar na qualidade: fazer uma análise de quem são os personagens bissexuais e como eles estão sendo retratados na programação, isso porque esses personagens são inseridos em contextos em que eles têm pouquíssima profundidade, ou são exacerbadamente estereotipados. Vou pontuar alguns exemplos:
É comum que a mulher bissexual seja sempre retratada associada a promiscuidade - como é o caso da Treze em House, da Brittany em Glee, ou qualquer personagem de True Blood etc, usam uma personagem que já tem um histórico de ficadas ou namoros com muitos personagens, o que não é problema nenhum, mas é como se confirmassem o esteriótipo de que bissexuais são promíscuos. Outro ponto ainda ligado à isso, é a hiperssexualização desses personagens, que raramente, vão ser pessoas fora do padrão de beleza, e muito menos personagens que fujam da hétero e cis normatividades.
Outro esteriótipo muito comum, é o da negação da bissexualidade, ou o famoso "eu gosto de pessoas" (ei, caralho, bissexualidade é isso!) ou a invalidação de relacionamentos homo afetivos dos personagens bissexuais. Como é o caso da Daenerys, em Game Of Thrones, que só tem seus relacionamentos validados pelo roteiro quando são hétero afetivos. Outra coisa que vira e mexe acontece, é a invisibilização da bissexualidade, como em Orange Is The New Black (com a Piper), Sense8, How To Get Away With Murder (com a Annalise) e Once Upon A Time (com Mulan), séries com personagens abertamente bissexuais, mas que parecem evitar o uso do termo, como se fosse algum palavrão. Outra problemática relacionada, é quando um personagem que até então, era mostrado como hétero, ao ter uma relação homo afetiva, passa a ser retratado como homossexual, como com o Jackson em Teen Wolf e com a Santana também em Glee. Outra coisa que acontece com frequência, é a bissexualidade usada como um recurso de roteiro que nunca foi abordado antes, e nunca vai ser depois, como com a Cece em New Girl.
E em terceiro (e juro que último), também é comum a associação da bissexualidade a personagens que tenham algum desvio de caráter. Como assim? Na incapacidade de fazer mocinhos e mocinhas bissexuais, e quando falo mocinha e mocinho, falo justamente naqueles que são os verdadeiros arautos da moralidade e da ética, outros personagens de moral dúbia ganham a bissexualidade, como característica desse desvio moral. Acontece bastante, de aparecimento de vilões/antagonistas bissexuais também ou, quando o protagonista é bissexual, é aquele protagonista problemático ou tem quase o status de anti-herói, como Lucifer e How To Get Away With Murder.
Lógico, que todas essas problemáticas não são exclusivas da televisão, mas sim, de toda a indústria do entretenimento. Entretanto, um recorte quando se quer falar do assunto é necessário para não ficar um texto extremamente poluído e maior do que já vai estar. E também é muito importante que se diga que, não é por se encaixar em um desses esteriótipos, que necessariamente, os personagens são sempre ruins - isso vai depender de como o enredo vai construir esses. E é por isso que agora, a gente vai falar de coisa boa. Top therm? Não. Bons personagens bissexuais.

E vou começar justamente com personagens que carregam os esterótipos acima, já para mostrar a diferença do que é um bom personagem, uma boa representação de uma minoria, e o que é um má representação (uma representatividade vazia). Também é importante dizermos que apesar dos espectros negativos dos exemplos acima, ter personagens bissexuais segue positivo, e os apontamentos feitos, são para que haja a melhora dessa representação nessa mídia.
Pol, de Merlí, é complexo, e apesar de não gostar de rótulos, tem sua orientação sexual bem construída e sempre bem clara a quem assiste, e é uma jornada com a qual o público consegue se identificar. Outro ponto positivo, é que mesmo sendo o típico bad boy, Pol tem bom pano de fundo e outros plots que nos ajudam a entender o porquê do personagem ter dificuldade com se rotular como bissexual.
Ainda sobre, outras boas personagens são a Eretreia, de The Shannara Chronicles, a Cheryl de Riverdale, Lica e Samantha de Malhação, a Bo de Lost Girl, a Sara Lance de Arrow e Legends Of Tomorrow e a Clarke Griffin de The 100, todas personagens fortes, bem construídas e que apesar de serem personagens dentro dos padrões de beleza e de expressão de gênero, com valores morais por vezes questionáveis, a bissexualidade é só um espectro da personalidade delas, não tendo associação com a esse desvio de caráter.
Duas figuras que subvertem esses esteriótipos são Nolan (Revenge) e Magnus Bane (Shadowhunters), dois homens que fogem do padrão de masculinidade, e seguem afirmando sua bissexualidade. Curiosamente, no entanto, nenhuma das duas séries, são grandes exemplos de qualidade, o que é uma pena.
Outro homem bi que também é subversivo, é o Darryl em Crazy Ex-Girlfriend (que é uma série incrível), um homem nos seus 40, 50 anos, que se descobre bissexual, depois do divórcio de um casamento hétero afetivo. Esse tem um dos melhores momentos bis da televisão, e uma excelente construção ao longo da série, como vocês podem ver abaixo:
É claro que a bissexualidade ainda tem um caminho muito longo para caminhar na televisão, seja para fugir das problemáticas enumeradas, seja para aumentar os números de personagens que se identifiquem como bis. É extremamente necessário que as séries e outras produções para televisão, tenham como foco incluir cada vez mais personagens pertencentes as minorias sociais e políticas em suas tramas.
E é um dever nosso cobrar, e consumir obras com esses personagens, porque esperar que dentro do sistema, que a justiça social venha por vontade própria dos setores privados é ser muito inocente. Os bissexuais estão aí, no seu grupo de amigos, na sua família, na sua vizinhança, não precisa ir longe para conhecer ou trombar em um. E se eles estão por todo lado, por que nas séries é tão difícil encontrá-los? É irreal achar que em grupos enormes de pessoas, não tenha alguém bi. É não estar sincronizado com a realidade dos grupos que quer alcançar, e isso é lamentável.
É como eu sempre digo: chega de caretice, bi também existe.
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