O que achamos da primeira semana de Segundo Sol?
- Ricardo Sodré
- 20 de mai. de 2018
- 5 min de leitura
Atualizado: 27 de dez. de 2018

cuidado com os spoilers
Na última segunda (14/05), estreou a nova novela das nove: Segundo Sol. Escrita por João Emanuel Carneiro, e com direção de Dennis Carvalho e Maria de Médicis, a novela teve sua primeira semana marcada por muito choro, axé, paisagens paradisíacas e polêmicas. A novela que tem uma premissa simples - o que já é uma diferença gritante da fracassada e complexa A Regra do Jogo, última novela do João Emanuel - tem acertos nessa sua primeira semana, mas também peca no maniqueísmo excessivo.
A trama conta a história de um cantor de axé, Beto Falcão (Emilio Dantas), que ao ser dado como morto por engano, é aconselhado por sua ex-namorada Karola (Deborah Secco) e seu irmão/empresário Remy (Vladimir Britcha) a manter-se escondido numa ilha reclusa, já que sua suposta morte alavancou sua carreira. Na ilha, ele acaba se apaixonando por Luzia (Giovanna Antonelli), uma mulher que mora na ilha e aluga a casa da irmã para o cantor, disfarçado, viver.
É com essa história clichê, que a trama dá seu ponto pé inicial, e já começa a trazer desdobramentos com potencial: destaco aqui, o núcleo de Cacau (a excelente Fabíula Nascimento), irmã da protagonista. Com um texto afiado e dinamismo nesse plot, a novela não perde tempo em mostrar quem é quem e a que veio nessa história, onde os personagens fogem da dicotomia entre bem e mal criada no núcleo principal. Não vou me estender muito sobre esse núcleo, por a graça dele é ser pego de surpresa pelas relações construídas ali, e que traz um retrato bem feroz e cru da relação de patrão-empregado do Brasil.

Aliás, o pecado da primeira semana é esse: como de costume, as vilãs, Karola e Laureta (Adriana Esteves) concentraram toda a movimentação no núcleo dos protagonistas. As duas não hesitam em arquitetar planos que só dão certo, por causa da burrice do casal protagonista. Chega ser impossível acreditar que Luzia e Beto caiam tão facilmente nas armações da dupla de vilãs, que em tempo recorde, criaram uma falsa gravidez, conseguiram separar o casal protagonista, livraram um sujeito da cadeia, subornaram uma curandeira, armaram um plano que resultou na morte de Edilei (Paulo Borges), ex-marido de Luzia, roubaram o bebê de Luzia e ainda arranjaram tempo de contratar pessoas para se passarem por testemunha de crime, médico e até advogado.
E está certo que é assim mesmo que são os bons personagens negativos da teledramaturgia, carregam nas costas a responsabilidade de fazer a trama avançar. E é característica do autor, que vilãs movimentem a trama mesmo, foi assim com Avenida Brasil, Da Cor do Pecado, A Favorita e Cobras e Lagartos, sucessos dele - que apesar de já consolidado, não tem tantas novelas no currículo quanto outros autores da emissora. No entanto, o público mudou, ninguém engole mais protagonistas, na melhor das palavras, sonsos, arautos irreais da moralidade e da ética. E por mais que do "lado do bem" haja um ou outro personagem mais sensato, a participação desses se limita a dizer o óbvio: "cuidado com essas pessoas, elas parecem meio falsas, forçadas demais etc". As crianças da novela, por mais irritante que seja a pequena Manu (Rafaela Brasil), chegam na mesma conclusão muito mais rápido que os adultos.
E aqui, o dinamismo da novela prejudica o plot, não se tem tempo de comprar toda a história de Luzia e Beto (com a identidade de Miguel), e a construção da relação deles fica capenga, e isso, somado ao excesso de bondade - gente, ninguém pode ser tão bom assim, pelo amor - do casal, torna bem mais fácil o trabalho das vilãs, que ganham a nossa torcida, e colocam com facilidade seus planos em ação, sem empecilho nenhum vindo dos dois mocinhos. É muito mais interessante quando o embate entre personagens tem mais nuances, como aconteceu com Avenida Brasil e A Favorita, que mocinhos e vilões tinham camadas de complexidade que enriqueciam a trama. E não ficava no infanto juvenil: vilões fazendo "vilanices" e as mocinhos sofredores vítimas injustiçadas.

O que nos resta é esperar que na próxima fase da novela, com um salto temporal de 19 anos, os personagens "do bem" desenvolvam outras camadas, importantes para o andamento da trama. No entanto, no geral, a trama é positiva, o roteiro é bem consistente, e infinitamente melhor que o de O Outro Lado do Paraíso, novela anterior, que fique bem claro. A direção também é acertada, mas com uma paisagem como a baiana, não precisava de muito, era só questão de fazer as escolhas certas, apostando em planos que aproveitassem o espaço. Outra coisa que não podia de deixar ser falada é da trilha sonora da novela: impecável, um acerto que está apostando em releituras de clássicos baianos na voz dos cantores em evidência.
Os atores são um show a parte, estão no ponto certo, um elenco que já sabíamos que era forte, e que tem tudo para entregar o que for pedido - destaco Giovanna Antonelli, Fabíula Nascimento, Deborah Secco e Adriana Esteves que estão ótimas. Inclusive, Deborah e Giovanna me surpreenderam positivamente, e Adriana está bem esforçada em afastar Laureta de Carminha, e tenho que dizer: tem conseguido. O destaque negativo vai para José de Abreu, preso no mesmo personagem a certo tempo e que já ninguém aguenta.

E é justamente aqui no elenco que está enraizada a polêmica da novela, e que não tem como não falar sobre. Desde que foi anunciado o elenco, a Globo vem sofrendo acertadas críticas: em um estado de população 80% negra, o mais negro do Brasil, o elenco é majoritariamente branco. Lógico que agora com a trama no ar, as críticas continuam - já que as medidas tomadas pela emissora, não foram suficiente para corrigir a falta de diversidade racial na novela, mesmo inclusive, tendo feita a primeira substituição de uma atriz branca já escalada, por uma atriz negra, da história da emissora (a personagem que era de Carol Castro, passou a ser de Roberta Rodrigues).
Inclusive na sexta (18/05), saiu uma matéria no The Guardian, apontando a falta de representatividade na produção. Um texto jornalístico que endossa a denúncia que vem sendo feita pelo movimento negro há meses. No geral, a recepção das críticas tem sido positiva: Maria de Médicis, Fabrício Boliveira, Letícia Colin, Luiza Arraes e Roberta Rodrigues se posicionaram favorável a discussão, reconhecendo a falha da produção e o quão benéfico e positivo é o debate. O que tem que ser reconhecido, é o primeiro passo para se corrigir esse erro.
Correção essa, que diz a Globo, virá na segunda fase - ao menos, dentro do que sabemos ser possível, para uma obra que já está nesse estágio de produção - que também reconheceu o erro, e fez reuniões com a equipe da novela para decidir como aumentar a representatividade negra na obra. Eu espero que a emissora tenha realmente se dado conta do erro, e procure não só em Segundo Sol, mas como em todas as produções da casa, esse cuidado com a representação negra - uma pauta que não é de hoje, vem sendo apontado pelo movimento negro na dramaturgia nacional.
Polêmica de lado, mas que eu vou seguir acompanhando de perto, a novela teve uma estreia que há muito não vejo no horário das oito - não de audiência, que tem se mantido bem morna, e abaixo da sua anterior, mas de qualidade. O potencial para mais um sucesso está aí, e agora é ver se João Emanuel reencontrou sua mão, e vai trazer uma novela com a qualidade de suas anteriores (menos é claro, A Regra do Jogo).
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